Sim, o título desde post é uma analogia escancarada a célebre frase de Hamlet. E o propósito desse texto, assim como os versos criados por Shakespeare, é filosófico.
Sempre que alguém tem uma lesão medular, os amigos e a família chegam com palavras de apoio e, frases muito escutadas são: ‘você vai sair dessa’ ou ‘calma, você vai superar’. Na real, essa atitude de dar apoio acontece em qualquer tragédia pessoal. Pense em qualquer dor mundana. A perda de alguém querido, um acidente, uma fatalidade ou qualquer evento que gere sofrimento. Sempre vem uma palavra amiga com esse lance da superação.
Na verdade, rola quase uma pressão para que ocorra essa superação. Quem gosta da gente quer nos ver sempre o melhor possível. Por isso essa angústia em querer ver o outro bem, superando suas dores. Quem gosta da gente não quer que a gente desista ou se desespere, mas que aceite e continue a vida, sabe se lá a que custo. Mas, afinal, o que é superar?
No aurélio, esse verbo transitivo direto, que vem do latim superare, quer dizer vencer, remover, ultrapassar. E na vida? O que é superar, quando te pregam a maior peça? Quase shakespeareana, uma peça que tu jamais poderia imaginar... Como por exemplo, um dia, de uma hora para a outra, sentar numa cadeira de rodas sem prazo para levantar?
Usando exatamente os termos que a gente encontra no dicionário, talvez superar seja vencer a limitação física, ou pelo menos aprender a lidar com ela. Talvez seja remover o orgulho, afinal, como sempre digo, lesão medular é pós-graduação em humildade - não é fácil depender dos outros. Talvez, superar seja ultrapassar o limite da paciência, e continuar fazendo fisioterapia mesmo sem ter o retorno motor e sensitivo esperado.
Quem sabe superar não seja o que a gente vê em algumas novelas, como aquela recuperação miraculosa. Tipo o cara tomou um tiro num capítulo e na semana seguinte já está jogando bola (e marcando gol)! Talvez superar seja aprender a lidar com a dor e manter a esperança.
Ou então... Eu não sei como, mas tem muita gente que consegue aceitar o fato de estar numa cadeira de rodas e ponto. Sublimação. Talvez superar seja essa resignação. E se for realmente isso, e quem não se supera, onde se encaixa? Quem desiste? Faz como o cara do filme Mar Adentro que prefere a morte a viver tetraplégico?
Se superar for continuar vivendo da melhor maneira possível, se for conseguir retomar os estudos, o trabalho, a vida social, a vida afetiva, depois de um episódio catastrófico (e quando uso esse termo não tem nada a ver com piedade – coitado é quem sofre o coito), se superar for isso, de certa forma, ainda hoje me supero. E, se superar for ultrapassar o que a gente imagina que é nosso limite, então acho que de certa forma me superei.
Agora, se superar for aceitar a possibilidade de nunca mais voltar a andar, se for desistir do meu milagre, se for sublimar, como várias pessoas conseguem, me nego a superar. Eu vou voltar a andar, caralho!
Postado por Juliana Carvalho (Tetraplégica)
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